quinta-feira, 12 de junho de 2008

Lei que Regula a Prestação dos Serviços Públcos Essenciais

Lei nº 88/VI/2006 de 9 de Janeiro

Por mandato do Povo, a Assembleia Nacional decreta, nos termos da alínea b) do artigo 174º da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I
Âmbito e finalidade

Artigo 1º
Âmbito e finalidade
1. O presente diploma consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente.
2. São os seguintes os serviços públicos abrangidos:
a) Serviço de fornecimento de água;
b) Serviço de fornecimento de energia eléctrica;
c) Serviço fixo de telefone.
3. Considera-se utente, para os efeitos previstos neste diploma, a pessoa singular ou colectiva que adquira os serviços indicados no número anterior para consumo próprio.

CAPÍTULO II
Protecção do utente dos serviços essenciais

Artigo 2º
Direito de participação
1. As organizações representativas dos utentes devem ser consultadas quanto aos actos de definição do enquadramento jurídico dos serviços públicos e demais actos de natureza genérica que venham a ser celebrados entre o Estado ou as autarquias locais e as entidades concessionárias.
2. Para esse efeito, as entidades públicas que representem o Estado ou autarquias locais nos actos referidos no número anterior devem comunicar atempadamente às organizações representativas dos utentes os respectivos projectos e propostas, de forma a que estes possam pronunciar-se sobre eles no prazo que lhes for fixado, que não será inferior a 15 dias.
3. As organizações referidas no n.º 1 têm ainda o direito de ser ouvidas relativamente à definição das grandes opções estratégicas das empresas concessionárias do serviço público, nos termos referidos no número anterior, desde que este serviço seja prestado em regime de monopólio.

Artigo 3 º
Princípio geral
O prestador do serviço deve proceder de boa fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger.

Artigo 4 º
Dever de informação
1. O prestador do serviço deve informar convenientemente a outra parte das condições em que o serviço é fornecido e prestar-lhe todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias.
2. Os operadores de serviços de telecomunicações informarão regularmente, de forma atempada e eficaz, os utentes sobre as tarifas aplicáveis aos serviços prestados, designadamente as respeitantes à comunicação entre a rede fixa e a rede móvel.

Artigo 5º
Suspensão do fornecimento do serviço público
1. A prestação do serviço não pode ser suspensa sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior.
2. Em caso de mora do utente que justifique a suspensão do serviço, esta só poderá ocorrer após o utente ter sido notificado por escrito com a antecedência de quinze dias relativamente à data em que ela venha a ter lugar.
3. A notificação a que se refere o número anterior, para além de justificar o motivo da suspensão, deve informar o utente dos meios que tem ao seu dispor para evitar a suspensão do serviço e, bem assim, para a retoma do mesmo, sem prejuízo de poder fazer valer os direitos que lhe assistam nos termos gerais.
4. A prestação do serviço público não pode ser suspensa em consequência de falta de pagamento de qualquer outro serviço, ainda que incluído na mesma factura, salvo se forem funcionalmente indissociáveis.
5. Sem prejuízo do disposto do número anterior, o Governo regulamentará as questões relativas aos serviços de valor acrescentado, num prazo de cento e oitenta dias, a contar da data da publicação deste diploma.

Artigo 6º
Direito a quitação parcial
Não pode ser recusado o pagamento de um serviço público, ainda que facturado juntamente com outros, tendo o utente direito a que lhe seja dada quitação daquele, salvo o disposto na parte final do n.º 4 do artigo anterior.

Artigo 7º
Padrões de qualidade
A prestação de qualquer serviço deverá obedecer a elevados padrões de qualidade, neles devendo incluir-se o grau de satisfação dos utentes, especialmente quando a fixação do preço varie em função desses padrões.

Artigo 8º
Consumos mínimos
São proibidas a imposição e a cobrança de consumos mínimos.

Artigo 9º
Facturação por estimativa
A facturação por estimativa só é permitida:
a) Quando, por razões imputáveis aos utentes, o fornecedor não puder aceder aos equipamentos de medição;
b) Quando o método de estimativa estiver previsto em contrato de modelo aprovado pelas Agências de Regulação.

Artigo 10º
Facturação detalhada
1. O utente tem direito a uma factura mensal que especifique devidamente os valores que apresenta.
2. No caso do serviço telefónico, e a pedido do interessado, a factura deve traduzir, com o maior detalhe possível, os serviços prestados, sem prejuízo de o prestador do serviço dever adoptar as medidas técnicas adequadas à salvaguarda dos direitos à privacidade e ao sigilo das comunicações.
3. A factura detalhada a que se refere o número anterior é fornecida no prazo máximo de três dias, sem qualquer encargo quando o utente do serviço telefónico for uma pessoa singular considerada consumidor nos termos da Lei nº 88/V/98, de 31 de Dezembro, nos seguintes casos:
a) Sempre que uma factura detalhada seja objecto de reclamação;
b) Mediante pedido escrito do utente válido pelo período de um ano.

Artigo 11º
Prescrição e caducidade
1. O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2. Se, por erro do prestador do serviço, foi paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3. O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.

Artigo 12º
Carácter injuntivo dos direitos
1. É nula qualquer convenção ou disposição que exclua ou limite os direitos atribuídos aos utentes pelo presente diploma.
2. A nulidade referida no número anterior apenas pode ser invocada pelo utente.
3. O utente pode optar pela manutenção do contrato quando alguma das suas cláusulas seja nula.

Artigo 13º
Arbitragem
Os prestadores de serviços devem fomentar a arbitragem, no quadro legal definido, para efeito de serem dirimidos eventuais conflitos com os utentes.

Artigo 14º
Direito ressalvado
Ficam ressalvadas todas as disposições legais que, em concreto, se mostrem mais favoráveis ao utente.

CAPÍTULO III
Caução
Artigo 15º
Proibição
Salvo o disposto no artigo 16º, é proibida a exigência de prestação de caução, sob qualquer forma ou denominação, para garantir o cumprimento de obrigações decorrentes do fornecimento dos serviços públicos essenciais mencionados no nº 2 do artigo 1º.

Artigo 16º
Caução em caso de incumprimento
1. Os fornecedores dos serviços públicos essenciais apenas podem exigir a prestação de caução nas situações de restabelecimento de fornecimento, na sequência de interrupção decorrente de incumprimento contratual imputável ao consumidor.
2. A caução poderá ser prestada em numerário, cheque ou transferência electrónica ou através de garantia bancária ou seguro-caução.
3. O valor e a forma de cálculo das cauções serão fixados pelas agências reguladoras dos diferentes serviços públicos essenciais.
4. Não será prestada caução se, regularizada a dívida objecto do incumprimento, o consumidor optar pela transferência bancária como forma de pagamento dos serviços.
5. Sempre que o consumidor, que haja prestado caução, nos termos do nº 1 opte posteriormente pela transferência bancária como forma de pagamento, a caução prestada será devolvida nos termos do artigo 18º.

Artigo 17º
Accionamento da caução
1. O fornecedor deve utilizar o valor da caução para a satisfação dos valores em dívida pelo consumidor.
2. Accionada a caução, o fornecedor pode exigir a sua reconstituição ou o seu reforço em prazo não inferior a 10 dias úteis, por escrito de acordo com as regras fixadas nos termos do nº 3 do artigo 16º.
3. A utilização da caução, nos termos do nº 1, impede o fornecedor de exercer o direito de interrupção do fornecimento, ainda que o montante da caução não seja suficiente para a liquidação integral do débito.
4. A interrupção do fornecimento poderá ter lugar nos termos do nº 2 do artigo 5º, se o consumidor, na sequência da interpelação a que se refere o nº 2, não vier a reconstituir ou reforçar a caução.

Artigo 18º
Restituição da caução
1. Findo o contrato de fornecimento, por qualquer das formas legal ou contratualmente estabelecidas, a caução prestada é restituída ao consumidor, deduzida dos montantes em dívida.
2. A quantia a restituir será actualizada em relação à data da sua última alteração, com base no índice anual de preços ao consumidor, publicada pelo Instituto Nacional de Estatística.

Artigo 19º
Validade da caução
A caução prestada nos termos deste diploma considera-se válida até ao termo ou resolução do contrato de fornecimento, qualquer que seja a entidade que, até essa data, forneça ou venha a fornecer o serviço em causa, ainda que não se trate daquela com quem o consumidor contratou inicialmente o fornecimento, podendo o consumidor exigir dessa entidade a sua restituição.

CAPITULO IV
Disposições finais e transitórias

Artigo 20º
Cauções anteriores
1. As cauções prestadas pelos consumidores, em numerário, cheque ou transferência electrónica, até à data da entrada em vigor do presente diploma são restituídas aos consumidores ou aos seus herdeiros, após a actualização nos termos do nº 4, de acordo com plano a estabelecer pelas entidades mencionadas no nº 3 do artigo do 16º e em prazo por esta fixado, que não poderá exceder um ano.
2. A entidade responsável pela restituição das cauções é aquela que, no momento dessa restituição, assegure o fornecimento do serviço.
3. O plano de reembolso mencionado no nº 1 poderá considerar a possibilidade de a restituição das cauções se efectuar por compensação, total ou parcial, de débitos relativos ao fornecimento de serviços, sempre que os respectivos contratos ainda se encontrem em vigor e o consumidor seja o mesmo relativamente ao qual é devida a restituição de caução.
4. Para efeitos do disposto no nº 1, a actualização das cauções a restituir é referida apenas ao período decorrido depois de 1 de Janeiro subsequente à data da entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 21º
Incumbência das agências reguladoras
As agências reguladoras a que se refere nº 3 do artigo 16º darão cumprimento ao estabelecido nessa disposição e no nº 1 do artigo 20º no prazo de 90 dias contados da entrada em vigor do presente diploma.

Artigo 22º
Relações actuais
1. O disposto nos artigos 2º a 14º é também aplicável às relações que subsistam à data da sua entrada em vigor.
2. A extensão das regras do presente diploma aos serviços de telecomunicações avançadas, bem como aos serviços postais, terá lugar no prazo de 150 dias, a contar da data de sua publicação, mediante decreto-lei, ouvidas as entidades representativas dos respectivos sectores.
3. O elenco das organizações representativas dos utentes, com direito de participação nos termos do artigo 2º e do número anterior, será certificado e actualizado pelo departamento responsável pele defesa do consumidor, nos termos das disposições regulamentares do presente diploma.

Artigo 23º
Vigência
O presente diploma entra em vigor 120 dias após a sua publicação.
Aprovada em 8 de Dezembro de 2005.

O Presidente da Assembleia Nacional, em exercício, Alberto Josefá Barbosa
Promulgada em 23 de Dezembro de 2005.

Publique-se.
O Presidente da República interino, ARISTIDES RAIMUNDO LIMA

Assinada em 27 de Dezembro de 2005.
O Presidente da Assembleia Nacional, em exercício, Alberto Josefá Barbosa

Sem comentários: